Os versos da canção famosa na voz da dupla Leandro e Leonardo combinam bem com o estágio atual do projeto da Liga profissional do futebol brasileiro, hoje dividida entre duas entidades: de um lado a Libra, que congrega alguns dos times de maior torcida, e do outro a Liga Forte União (LFU), que tem o maior número de times e, portanto, por conta da Lei do Mandante, tem um número maior de jogos para vender, inclusive os jogos que os times da Libra fazem como visitantes.

Mas vamos entender como chegamos aqui: o dia era 15 de junho de 2021 e 19 dos 20 clubes1 então na Série A, a primeira divisão do Brasileirão entregaram na CBF uma carta exigindo mudanças na estrutura da Confederação, que resultariam em maior participação dos clubes nas tomadas de decisão e na escolha dos presidentes, e, talvez o ponto mais importante daquele documento, anunciavam “a criação da liga de futebol, a ser fundada o mais rápido possível, e que passará a organizar e desenvolver economicamente o Campeonato Brasileiro.”

Essa não foi a primeira vez que os clubes ameaçaram se rebelar contra a CBF e passarem a ser donos do próprio campeonato, como aliás é padrão na maior parte dos países relevantes para o futebol mundial. Alguns anos antes, um grupo de times havia criado a Primeira Liga, competição que, por não ter a chancela da CBF foi disputada paralelamente a outros torneios estaduais e nacionais e só durou duas temporadas, de três inicialmente vendidas para as TVs.

Muito tempo antes, no longínquo 1987, depois de a CBF, quase falida, anunciar que não teria condições financeiras e logísticas de organizar o Campeonato Brasileiro da Primeira divisão daquele ano, os 13 times que lideram o ranking da CBF (Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco) resolveram se unir e criar um campeonato próprio, batizado de Copa União. Na primeira edição 3 outros times participaram como convidados: Goiás, Coritiba e Santa Cruz.

A competição, cuja polêmica dentro de campo dura até hoje, foi um sucesso comercial. Num torneio curto e só com times de grande torcida, o interesse foi enorme. Vale lembrar que no ano anterior, o Campeonato havia contado com 80 participantes. Estádios sempre lotados, com transmissões em TV aberta toda semana (o que não era comum até então) e inclusive com direito a um sorteio para definir o confronto que seria exibido nacionalmente.

Além disso, pela primeira vez um campeonato nacional contou com um álbum de figurinhas oficial do torneio (anunciado como “o verdadeiro campeonato brasileiro”) e quando o assunto foram patrocínios incrivelmente nos aproximamos do que fazem as ligas americanas: com um fornecedor de uniforme (Adidas) que vestiu 11 dos 16 times e um patrocinador máster do torneio (Coca-Cola) que também estampava as camisas de 10 das 16 equipes, já que as outras 6 já tinham fechado contratos anteriores com outras marcas.

E por que estou falando tanto da Copa União 87? Porque ela aconteceu 5 anos ANTES da fundação da Premier League, que hoje é simplesmente a maior liga de futebol do planeta e competição esportiva mais assistida no mundo. A partir de 1988, o Clube dos 13 “fez as pazes” com a CBF, que voltou a gerenciar o Campeonato Brasileiro e a Copa União 87, portanto, a primeira grande oportunidade perdida de termos uma liga de fato no Brasil.

Mas voltemos ao presente. Depois da tal carta de 2021, dois grupos de equipes se formaram: de um lado, a Libra (Liga Brasileira de Futebol), do outro a LFF (Liga Forte Futebol do Brasil), hoje rebatizada LFU (Liga Forte União) depois de (re)incorporar alguns times dissidentes, todos “early adopters” do modelo SAF. O motivo da separação: detalhes sobre como as receitas da liga (hoje basicamente ligadas a direitos de transmissão, já que a liga em si ainda não existe) serão divididas.

As duas entidades defendem um modelo de divisão de receitas mais próximo do modelo europeu, com uma fatia distribuída de forma igual entre todos os participantes do campeonato, uma outra parte de acordo com o desempenho final e uma terceira, pela audiência. Esse modelo é diferente do modelo americano, que divide as receitas da liga de forma 100% igualitária. Veja abaixo as diferenças entre as proposta dos dois grupos:

Divisão igualitária:

Libra – 40% da receita total
LFU – 45% da receita total

Distribuição por desempenho:

Libra – 30% da receita total
LFU – 30% da receita total

Distribuição por audiência:

Libra – 30% da receita total
LFU – 25% da receita total

Olhando apenas para esses percentuais, não faz nem sentido haver dois grupos, mas como o buraco sempre é mais embaixo, o que está em jogo é a maneira como esses percentuais serão divididos e os critérios utilizados, além disso, as duas “ligas” pregam que a diferença entre o time que recebe mais e o que recebe menos, seja no máximo de de 3,5 vezes, mas a Libra quer chegar lá de forma gradual, por cinco anos, o que deixaria equipes como o Flamengo, Corinthians e Palmeiras ainda com vantagem nesse prazo. Já a LFU defende que esse limite seja aplicado imediatamente. Além disso, a forma de financiamento dos dois grupos também é diferente, com cada grupo tendo fechado (e já recebido) adiantamentos de diferentes fundos parceiros por percentuais dos valores a receber de direitos de transmissão. Mas isso tudo será assunto de uma outra coluna.

Para completar, a Libra já vendeu à Globo seus direitos de transmissão pelos próximos 5 anos, enquanto a LFU formatou pacotes cheios de novidades para o mercado nacional, mas ainda procura parceiros de transmissão (e que pode, inclusive, acabar na própria Globo). No fim das contas, a janela de oportunidade para a criação de uma verdadeira liga de clubes de futebol no Brasil passou novamente e os dois grupos viraram apenas blocos comerciais com a palavra “liga” no nome. Isso pelo menos pelos próximos 5 anos, que é o tempo de validade dos novos acordos de TV.

1. O Sport Recife não assinou a carta, pois estava sem presidente, já que o anterior havia renunciado dias antes.

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